Leia antes de prosseguir

O que lerão a seguir não é pretensiosamente jornalístico apesar de eu ser formado em jornalismo. São simples recortes cubanos sob o meu olhar curioso, despretensioso quanto a algo educativo, cultural e até mesmo informativo. Por aqui, nada que eu não conte numa mesa de bar, talvez até com mais ênfase, pois os saberes são intercambiados. Portanto, se quiseres criticar o regime cubano, vá a alguma publicação que aceite seus argumentos, pois os comentários aqui serão moderados e não tolerarei disparates com relação à linguagem. Podemos até fazer algum debate sobre, mas reservo a mim o poder de decisão sobre publicar ou não algo que considere ofensivo a mim ou a qualquer outro item não listado aqui. Desculpem o ocasional baianês, mas é o meu jeito de escrever. Desculpem também a falta de linearidade. Como disse, não há pretensões extensas com a publicação desses recortes que não seja a da simples leitura de quem se interessar. Não quero criar discussões acerca do socialismo comparado ao capitalismo, liberdade de imprensa, liberdades individuais e outros argumentos que não nos levam a lugar algum.

28/05/2012

Cidade musical

Havana é música. Proveniente de seus Sons, Salsas ou Boleros, La Habana é rítmica e embalada por alguns dos melhores músicos que pude ver de perto. Tudo bem, pode até ser exagero, mas ver um baixista com um baixo de orquestra na mão, passeando por Habana Vieja é coisa que eu juro nunca ter visto no Brasil. E era assim. Toda hora um trio, quarteto, quinteto ou sexteto começava uma música sempre muito bem dançada por quem conhecia do negócio.

Certo dia, acessando a internet no Hotel Habana Riviera, o bar do lobby contratou um trio que tinha uma cantora e dois violonistas. Cheguei a atualizar a rede social no exato momento em que tentaram tocar “Garota de Ipanema”. E conseguiram, deixando-a ainda mais charmosa como um bolero.

Me arrepiei enquanto andava na Calle Obispo, próximo ao Hotel Ambos Mundos (que foi residência do escritor Ernest Hemingway), em um bar que não lembro o nome, um quinteto tocava “Chan Chan”, do Buena Vista Social Club. Os arranjos que no original são feitos em trompete, naquela hora foram feitos numa flauta transversa pela bela morena de coxas grossas, simpática aos aplausos. Parei para ouvir e viajar um pouco, já que estava lá, curti aquela música lá era outra dimensão, talvez o que nenhuma droga sintética pudesse fazer.

Parafraseando e adaptando Raul Seixas: Um dia, na Calle Obispo, eu vi um saudável negro sentado na calçada, com um case de esmola e um trompete na boca. Eu parei para ouvir. Tocava uma sequência de jazz lindíssima. Parecia triste, mas linda. Ele parou de tocar, dei-lhe as moedas que havia em meu bolso, as quais agradecera com os olhos. Virei e ele começou a tocar, de forma cadenciada e ainda mais jazzística, “Garota de Ipanema”. Teria ele adivinhado minha nacionalidade? Era esperto demais para reconhecer um brasileiro pela bandeirinha da havaiana? Não sei. Voltei a olhar o negro trompetista e admirar sua música e repertório. Ganhei uns dez minutos ali, na Calle Obispo, ouvindo qualidade.

Já no hotel, em outra circunstância, decidido a voltar ao centro havanês, peguei o elevador no 20º andar, piso executivo e andar do meu quarto, o 2007, ou como eu insistia em falar no café-da-manhã, em péssimo espanhol, “bêinti-ciero-siete”. Saí do quarto já compondo algum riff bem sujo de guitarra, um total contraste com os ritmos caribenhos. Dentro do elevador, tomado pela idéia do riff brutal de metal pesado, comecei a batucar uma linha de bateria furiosa que combinaria com a música que eu queria. Uma pessoa entrou e nem dei a mínima, porém, o cara deu a máxima. Ei, muito bom! É baterista? Eu sou vocalista de uma banda punk italiana. Ele me falou isso em inglês, bem entendido. Com espanto, eu disse ser baterista sem nada saber de bateria. Quando eu disse ser brasileiro, ele arregalou os zóio e me perguntou, visivelmente emocionado, se eu gostava do Ratos de Porão e do Cólera. Afirmei, principalmente sobre o Cólera. Lamentamos juntos a morte do Rédson no ano passado. Hiato. Despedi-me pensando no Redson e como ele avaliaria uma visita dessa a um país que compartilhava um pouco de seus ideais de justiça para os povos. Senti a falta de um amigo feito em poucas horas, poucos dias. Estive com Redson pouco mais de três dias, mas as conversas eram tão boas que pareciam três séculos. Que bom que ele deixou o Daniel Mailo conosco.

Mas eu estava curioso para conhecer o Rock and Roll cubano. Queria ver de perto bandas como Chlover, Combat Noise, Escape, Hypnosis, Zeus... Bom, não vi e essa parte ficou para a próxima visita. A Agência Cubana de Rock é semelhante à Associação Cultural Clube do Rock da Bahia e tem a mesma finalidade. A diferença é o aproveitamento de um casarão desabitado para a reforma e adaptação de uma casa de shows para as bandas, o Maxim Rock. Enquanto estive em Havana não tive a sorte de coincidir as datas de shows, o que vai ficar para a próxima viagem à ilha. No entanto, encontrei o David Chapet e conversamos bastante sobre o rock cubano, principalmente sobre a música extrema cubana.

Chapet é um francês franzino de 43 anos, mas que aparenta bem menos. Apesar das minhas limitações com o idioma, ele pareceu entender tudo que eu lhe falava sobre as bandas do Brasil. Apresentei-lhe algumas. Foi um presente brasileiro que deixei para os cubanos. Ele adora o Sepultura e conhece, por nome e internet, algumas outras bandas daqui. Enfim, ficou a promessa de tentativas de intercâmbio entre bandas brasileiras e cubanas.

Voltando à música cubana, já no último dia, chamo-lhes para a imaginação: Pensem em ótimos músicos. Melhor, pensem numa Jam do MAM em Salvador. Agora pensem na orla marítima e uma brisa bem úmida durante a noite. Esse lugar da orla marítima pode ser o calçadão que liga o Farol da Barra ao Barravento ou o Farol da Barra ao Porto da Barra. Pensou? Foi assim, mas com uma música característica de lá: o Son. Esse estilo ganhou popularidade na década de 30 e traz entre seus elementos a música afrocubana, salsa, jazz e música espanhola, principalmente no violão. Eram quatro caras que divertiam os transeuntes do Malecón com um violão, um baixo acústico de orquestra, um trompete e um bongô. Ganhei algumas horas ali, degustando a música e ouvindo minha Bucanero. Quero dizer, degustando as duas coisas. Queria me despedir de Cuba em grande estilo e nada melhor que fazê-lo com música, que me alimenta a alma.

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